12 novembro 2005

Último Charro


Matei quem desconhecia. Passava na rua e olhava-me como quem observa. Quem vê ao longe todos o gestos que se dão quando se anda despreocupado.
Hoje foi o dia em que matei a minha alma. Que era minha mas não vivia em mim.
Cedo, bem cedo, acordei todo nu. Bem no centro da Avenida da Liberdade. Doia-me o corpo. Caminhei em busca de ajuda. Fugiam todos. Escorria de mim sangue bem encarnado. As feridas não fecham. Dói-me a cabeça.
As asas que reconheci nas costas eram maiores que eu. A barba que em mim cresceu tapava-me metade do rosto e o pescoço.
Cedo me apercebi que iam fugir até aparecer alguém para me enclausurar.
Sentei-me. Detrás da orelha tirei um charro. Da outra um isqueiro.
Não vale a pena pensar porque estou assim. Estou.
Aproxima-se a policia. Mas porquê? Se o maior mal foi acordar onde nunca estive?
Cravo as unhas em meu peito. Agarro o coração e faço-o parar de bater. Com uma mão apenas. Dou o último bafo e atiro-lhes a ponta: "Matem isso... que a mim mato-me eu!"


Luís Teixeira

3 Comentários:

Blogger xp disse...

Este texto, é apenas mais um de grande qualidade.

Parabéns!

6:15 da tarde  
Anonymous Anónimo disse...

Como sempre os teus textos sao lindos.
Não faças esse charro sem mim, queres uma king ou das normais?keres que te faça o filtro?fomemos juntos e deixemos as emoçoes fluirem, vivamos esse momento só nosso.

ja tenho saudades desses tempos de loucura lol.

likt

10:51 da tarde  
Blogger Miriam Luz disse...

Último charro

Gostei da metáfora. Da imagem do último charro. Desse último suspiro que tem sido a tua vida.
Sempre mais um... e mais outro... mas sempre o último.
Como os charros.
Estás sempre a morrer, já reparaste? Umas vezes demoras mais... outras menos...
Hoje... hoje sou perfeitamente capaz de traçar a fronteira entre o que escreves porque calha e o que vem daí. Desse algures onde vais buscar cada palavra. Sei exactamente até que ponto estás envolvido. Se escreves deliberadamente sobre charros e avenidas gigantes ou se... se nada. Confio na tua sensibilidade Luís.
Matas quem desconheces. Matas a alma.
Entretanto também matas alguém quem encontras pelo caminho.
Porque queres ficar sozinho. Não é segredo. E eu já sei. E sei orgulhosamente.
Mas não te deixam. E quando pedes ajuda, fogem todos!...
Asas nas costas? Um anjo. Mas elas são maiores que tu... As duas.
As duas asas. e depois cais...
E mesmo sabendo que vai lá estar alguém para te dar a mão... tens medo de cair. (Porque quando fogem todos sobra sempre alguém)
Não vale a pena pensar porque estou assim. Estou.
Pois. Não vale a pena pensar. Também já não penso. Acho que não penso. Até porque falta pouco para nos levarem daqui. Conseguiram. Conseguiu.
E agora fica tudo assim...
Uma Avenida da Liberdade linda. Cheia de luzes de Natal. Aquelas que mandaste lá pôr para mim, lembras-te? Mas vazia. Porque a polícia já aí vem. Entretanto vou-me embora também. Acabou. Levem-nos daqui.
Ah, mas também me mato sozinha. Desta vez não vou falhar.
Sabe tão bem... um último suspiro.
Toma.
O meu coração numa bandeja.

3:44 da tarde  

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