16 dezembro 2005

... de ti.

... de ti.

Volto de lugar nenhum.
Encontro-te morto no chão da sala. Desta sala onde tantas vezes te encontrei perdido. A sala do cadeirão, a sala das sombras.
A sala dos laivos de luz no teu rosto putrefacto e desfeito que agora beijo sofregamente... Misturam-se as feridas da tua pele com as feridas dos meus lábios e somos um só. Mortos. Os dois. Porque para amar assim não me basta a vida...

Não estás pendurado pelas costas no gancho da parede.
Não estás dependurado pelos pés.
Não tens uma corda ao pescoço e um fio de sangue a escorrer-te pelo queixo.
Onde estás, meu amor?
Ali... Encolhido. De costas para o espaço, de frente para o vazio.
Estou aqui... Mas não me ouves.
Toco-te levemente. Frio... tão frio. Como sempre.
Gelado. Inerte. Os olhos vidrados, fixos no infinito. Duas lágrimas de cristal por entre a podridão do teu rosto.
Num segundo lembro-me de tudo. Do adeus. Do amo-te. Da menina do pranto. Do lencinho branco da despedida...
Afago-te o cabelo devagarinho. Beijo-te a testa. Beijo-te as feridas. Uma a uma. Mas os meus lábios já não são macios como outrora. Já não sabem a cereja e já não provam da doçura do vento...
Arranco-te o coração já fora do peito e tento fazê-lo bater. Só mais um pouco...
Grito. Choro.
Sorrio. Quero que seja esta a última imagem que levas contigo. A tua menina bonita com um sorriso do tamanho do mundo só para ti.
Abraço-te e deixo-me ficar ali para sempre.
Morreste, meu amor.
Morreste de sede com as minhas mãos em concha plenas de água límpida.
Morreste de cegueira escondendo o rosto da luz que do meu peito brotava.
Morreste de dor e de ódio com o meu amor espraiado sobre ti.
Morreste de vida estrangulada pela minha saudade.
Morreste... dessa doença que te consumiu.
Morreste de ti, meu amor.

Litostive

1 Comentários:

Blogger xp disse...

Mas que agradável surpresa uma vez mais!

Finalmente Litostive a dedicar-se à prosa!
Espero que seja para continuar.

11:21 da tarde  

Enviar um comentário

Subscrever Enviar feedback [Atom]

<< Página inicial