28 janeiro 2006

Silêncio

Silêncio

Se tu soubesses tão bem que me soube aquele sangue doce.
Se tu soubesses como me aliviou aquele fiozinho de dor.
Ah, meu amor! Se tu soubesses o ardor do sal das lágrimas sobre a ferida aberta.

Abrias uma tu próprio.
Não esperavas que o fizesse por ti.
Mas eu fiz. Tão teimosa. Menos que tu. Mas ainda muito.
Morreu-te o desgosto e nasceu em mim. O desgosto. Desgosto de olhar para ti assim. Tão lindo mas coberto de "poeira seca".

"A face coberta de poeira seca-me cada lágrima que força sair. Ficam em mim apenas as marcas de algum dia ter estado triste. As marcas que me recordam que um dia também senti."

A morte fica-te bem, meu amor. Rasga-te o rosto, inventa-te lágrimas, recorta levemente os cantos dos lábios para que eu tos possa beijar mais tarde.
Sim. Fica-te bem.

Remeto-me ao silêncio. As promessas estão feitas. Meu amor.

Litostive

25 janeiro 2006

Morreu-me o desgosto...
A vontade de me ir. De me deixar levar pela fraqueza.
Levanto a cabeça suja do pó que acumulo dia após dia.

A face coberta de poeira seca-me cada lágrima que força sair. Ficam em mim apenas as marcas de algum dia ter estado triste. As marcas que me recordam que um dia também senti.

Caminho em direcção à luz. Na casa que escolhi para habitar. Ardem-se os olhos. Doi saber que doi porque sou fraco e não aguento.

E quase que consigo ver. Mas apesar de lutar como sempre, de sorrir quando tudo chora à minha volta, a fraqueza da carne leva-me a voltar para trás.

Grito.
Choro.
Incendeiam-se-me os olhos.
Deixo de ver a luz. Apenas o laranja que via quando não forçava o olhar e fechava os olhos à minima contrariedade.

Volto para trás...
De qualquer maneira, raramente os usei.

Para me cortar não preciso de ver.
Para beber o meu sangue e alimentar-me de mim basta apenas força de vontade.

Mas agora sei que nunca mais verei, mesmo que um dia o quisesse. E isso entristece-me. Pela primeira vez nestes 23 anos.

Aguardo que a morte me venha buscar.
Aguardo pacientemente.
Não tenho pressa.
Mas só me leva porque não consegui resistir.
Hei-de continuar a tentar sobreviver.

Kimera

17 janeiro 2006

Noite

Não sei como resisto.
Não sei como caminho dia após dia... pé ante pé...

Procuro nas sombras... líquido que sacie a minha sede.

E rastejo... junto das paredes de todos estes entulhos. Podridão visual.

Lambo as pedras da calçada. Cuspo quando engulo terra...

Corto os braços e todos os sitios do meu corpo que consigo alcançar. E, em sofrimento, esqueço o que me rodeia. Quem me rodeia nem se lembra de mim.

Amanhece e volto para casa.
Amanhã voltará a escurecer...

Kimera

12 janeiro 2006

Menino do Campo

Menino do campo

Hoje sou eu quem percorre os teus caminhos da alegria.
E... e choro. Porque tanta alegria não cabe num sorriso. Venham as lágrimas! Que se cubra meu rosto de pranto. De alegre pranto...


Quando a felicidade era maior que o mundo... cresceu.
E cresce. Todos os dias.
Corre o mundo lá fora.
E corres tu. Por aí. Lunático, irreverente. Enquanto te observo. Enquanto amo em segredo cada poro da tua pele. Enquanto amo em segredo cada gesto teu. Cada sorriso. Cada olhar distraído. Cada birrinha tua.
Menino do campo. Meu menino do campo.
Damos as mãos. Olhamos para o céu. Juntos, desta vez. E todas as outras.

E é tão alva esta nossa cegueira...

Litostive

08 janeiro 2006

...

Percorro todos os caminhos da alegria.
Olho para o céu e perco a visão de tão feliz que observava o sol.

Choro...
Choro muito...

Perdi a única coisa que me permitia ver quão bela és. Quão linda me pareces. Quão feliz me vejo de estar a teu lado.

Kimera

06 janeiro 2006

Oferta

Oferta


Sento-me no canto da sala.
Hoje não choro nem sorrio.
Não me mutilo nem afago o meu próprio corpo.
Penso. Encosto-me contra a parede fria e húmida e... penso.

Repenso.
Ah!, como fomos fortes. Como foste! forte.
Um bloco de sonetos numa mão e um amor nunca correspondido na outra.
Nunca tive mais que isto. Nem nunca fui mais que isto.
Quis morrer contigo e nunca tive mais que uma foto para me acompanhar nessa viagem.
Que fiz eu comigo? Que fizeste tu comigo?
Mas... e que fiz eu contigo, meu amor? Amei-te demais. E amar demais é heresia e pecado e profano e o que mais houver de mau.
Mas eu nunca soube... Ainda hoje não sei.
E mutilei-me. E mutilaste-te. E fomos entregando um ao outro pedaços do nosso corpo. Assim... em jeito de oferenda. Presente mal embrulhado.
Um dia demos por nós assim... Sem mais nada para oferecer. Mais nada.
E muito bem embrulhadinho em pétalas de rosa saiu-te do bolso o meu coração. Guardaste-o quanto to dei... Julgava-o eu perdido por entre pernas e braços e pedaços de corpo em decomposição.
E do outro bolso... Tiraste o teu. O teu coração. E colocaste-o no meu peito.
E chorámos e sorrimos juntos. Para sempre.

Afinal naquela manhã morri. Morri e renasci para ser tua.
Também para sempre... *


Litostive

03 janeiro 2006

Sorrir uma última vez

Não quero sorrir por uma última vez. Não quero que me obrigues a enterrar vivo porque vivo não posso ser. Que me puxes a corda que me abriga o alçapão.
Não quero rastejar por ti. Meu Deus. Não quero implorar por ti. Jurar por ti.
Estica-me a mão. Acompanha-me mais uma vez nesta caminhada que também é tua. É nossa. Não me apertes mais as veias e deixa passar por mim toda a tua essência. Meu Deus.
Leva-me contigo!
Leva-me comigo!
Arrasta-me! Mesmo quando eu hesito por tanto Te temer. Por tanto me temer. Espanca-me e leva-me atrás. De rastos. Sem sentidos. Porque só sem sentidos me entrego ao que não acredito.
Despe-me e mostra-me ao mundo. Despe-te também se fores capaz. Mostra como és fraco.
Mata-me!...
...E amanha sei que serei o que foste Tu hoje...

Kimera