30 outubro 2005

Os últimos
E o teatro começa.
Pessoas moribundas assistem ao espectáculo que encenaram. Onde sou o centro das atenções.

Tento libertar-me. Impossível.
Arrastam-me pelos pés.

Ligam-se as centenas de holofotes.
Não distingo nada nem ninguém. Apenas sinto vergadas nas costas. E pernas de pessoas que tropeçam em mim. E que caem… e que se levantam e me pontapeiam.

Continuo dorido.
Hematomas e sangue pisado.

E oiço gargalhadas. E bebés a chorar por não quererem ver este espectáculo de adultos.

Choro eu também.
Não resisto aos últimos pontapés, bem no meio da minha face, e sucumbo às dores.
Perco os sentidos e morro…
Feliz por morrer.

Luís Teixeira

25 outubro 2005

Esperado encontro com o fim

Vejo-te passar diante de mim. Choro. Choro para mim. De medo de te voltar a ver.
Bebo o whisky que deixei a meio.
Caminho sem forças. Deixo-me cair onde me dá mais uma tontura.
E deixo de ver.

Sinto o teu respirar na minha face. Sinto a tua presença nos pelos da minha pele.
Sinto entrares por mim. Sinto saíres sem nada me dizer. Contigo levas o resto da minha vontade de viver…
Comigo fica a esperança de que voltes depressa para levares o que já é teu.

Respiro. Sofro em agonia intensa.
Sabemos que vou acabar por não sobreviver.

Amo-te. Que o escreva antes de morrer. A sangue quente, nas paredes desta sala que nunca vi.

Luís Teixeira

23 outubro 2005

Quando a Vida não tem outra forma de ser

Tiago Lourenço

Perdido em mim

Perdido em mim

Nada.
O meu corpo está magro.
A minha alma moída de tão pouco movimento.
Bebo mais uma cerveja.

Olho para ti, Vida.
Olho para mim, personificação da morte.

Sorrio e deixo-te passar. Mais uma vez. E fico tão orgulhoso por mim. Tão orgulhoso de saber o lugar de cada um de nós.

19 outubro 2005

Mundo meu

A mão dela toca-me a face. Olha-me de novo.
Respira-me ao ouvido e eu acalmo.

Beija-me a pele cansada depois de uma noite mal dormida. Não respondo.

Deito-me na estrada de terra. Abro os braços e dali não me mexo. Que se mova primeiro o mundo. Derroto-me. Derreto-me. A terra seca absorve o meu corpo em estado líquido.

O ponto que sempre procurei e tão poucas vezes vivi.

Venha a mim a agonia. A melancolia. A saudade. A tristeza de viver como sempre quis.

Obrigado por tudo…

17 outubro 2005

II

I – A ida de mim

Acendo mais um cigarro. Bebo outro trago amargo na solidão escura da noite mal iluminada.
Sentado no chão. Meio despido, meio vestido. A mão direita afaga o braço direito. E sinto-me. Sinto-me mais humano. E choro.

As duas mãos tocam-me a face.
Deito-me de costas.

Olho o tecto escuro. Não consigo pensar em nada. Injecto-me outra vez. Os arrepios sobem por mim.
Sabe bem. Sabe bem o prazer que ressurge em mim.

Os olhos reviram-se.

E no minuto em que tudo se passa à nossa frente. No minuto em que sabemos que não vamos conseguir viver. No minuto que a morte aguarda à porta da sala, penso em tudo o que nunca tive tempo para pensar.

E errei em muita coisa. E muita coisa errou por minha culpa.

Vagueei por ruas escuras. Quando de dia tinha a certeza de que saberia o caminho de volta. Arrisquei tão cedo. Estraguei a minha vida.

Agora estou prestes a partir.
A deixar tudo o que sempre me passou ao lado por orgulho. Por saber que tudo depende de mim. Por saber que basta um pouco de mim para que tudo o que quero esteja bem… connosco. E mesmo que não esteja não sou eu que fico a perder.

Agora estou prestes a partir…
Deixo saudade a muitos.

O sangue esvai-se pelos olhos… e murmurejo de dor e sofrimento.
Do tecto pingam gotas que me tocam o corpo quente.

Quem me ama está no quarto ao lado.
Não quero acordar ninguém… deixem-me decidir o que quero desta vez. Pensar.

As forças vão-se… e com elas se vão os sentimentos. O amor… a dor… a solidão que sentia tão intensamente…

Acabou… acabou tudo agora.

E o que mais peço é que ninguém entre agora na minha sala e me toque. E chore porque eu não estou. Chore sabendo que não mereço.

Um homem quando morre por sofrer deve morrer como quer…

II – A chegada de mim

Vagueio pela sala.
Deambulando por ali sem pensar no que em mim quero que aconteça.
A tristeza derruba-me.
A impossibilidade de chorar faz-me soltar murmúrios. Murmúrios de quem grita por dentro. Pequenos sons abafados germinam da pele quente.

Esquartejo-me. Choro de dor. Aproveito para sentir como se chorasse de tristeza. Tão lindo o sentimento que sempre me acompanhou e que nunca soube exprimir.

Não sou feliz mas sei o que é ser triste. Assim saberei como seria se fizesse o que querem que faça.


Tenho problemas. Admito. Mas não é por isso que sou menos que todos.

As seringas olham para mim. Olham por mim.
Aguarda-as um braço virgem.

A água provoca efeitos em mim… a água na seringa provocará em mim o maior sorriso de todos. O sorriso de quem sorri porque sabe que deixará de ser triste…

16 outubro 2005

I

Pedaço de tudo

Cercam-me as vidas de todos os que conheci. Pedem-me explicações e satisfações. Atiram-me ossos de corpos ainda mal desfeitos.
Choram à minha frente.

Sento-me no canto mais escuro da sala abandonada.
Encolho-me o mais que posso.
E choro…
Choro…

Choro. E não me digam que não posso chorar! Não me digam o que fazer. Como agir. Farto de observações. Deixem-me comandar o que consigo comandar…

E ali permanece o corpo fraco e ferido. Ferido pelas vozes… comido pelos verdadeiros pensamentos sob falsas realidades.

E choro…
Choro até morrer…
Morro sem me explicar… porque não gosto de falar em qualquer ocasião.