30 dezembro 2005

Coroada de trevas

As mãos apertadas sobre o peito.
Os dentes cerrados sobre os lábios.
Os olhos vendados de medo e de insegurança.
E caminhei. Caminhei sem nunca olhar para trás.

As tuas feridas, meu amor, são as mais lindas. As que sangram o sangue mais vermelho e as que deixam as cicatrizes mais bonitas.
Quis eu ter feridas belas. Quis eu sofrer mais que o sofrimento. Quis eu mutilar-me aos poucos. Cada dia mais um pouco. Cada dia mais um dedo e mais um braço e mais uma perna e mais um pulso e mais uma-quaquer-coisa que doesse mais que essa outra grande ferida. Mas mais doem as feridas que me rasgaste que aquelas que me infligi.
E hoje... olha para mim, meu amor. Olha para mim. Tão feia que eu estou. Tão triste. Tão sem vida. Tão cansada. Tão... tão vazia. Tão sem nada. Uma coroa de trevas sobre a cabeça (sempre baixa) e um ramo de açucenas mortas na mão.
Ficaram-me as cicatrizes. E ficaram as tuas também...
Para nos sentarmos nas escadas de pedra nas tardes de primavera a contar a história de cada uma delas.
"E esta? Doeu muito? E esta? E aquela?"
E ir tocando levemente cada uma delas...
Um dia vais voltar a sentar-te com a cabeça sobre o meu colo e vou contar-te a estória da cicatriz do meu peito.
Aquela que sangrou mais que todas as outras.
Aquela que doeu mais que todas as outras.
Aquela que foi a mais bela de todas as outras.

Um dia, meu amor, vou contar-te como te amo.

Litostive

27 dezembro 2005

Nevoeiro

Irreverência



If Lucy Fell



E continuo a ser quem sou. Puxam-me as correntes e arrastam-me o corpo pelo trilho já amaçado por outros corpos.
Não me interessa.
Hoje é uma noite porreira.
Ergo o punho fechado e grito mais este som...


Kimera

24 dezembro 2005

Virgem Maria

Virgem Maria

Mãos sequiosas da macia rudeza da pele
Da alma sem dor e de pecado imaculada
Morta. Nos braços de alguém desmaiada
Amante do sagrado e de um profano fel

O trilho de partida sob os pés cansados!
A noite fria pintada de branco e de breu
Efémera felicidade rascunhada num céu
Onde os tristes olhos oravam pregados!

E a boca ávida de um beijo de ninguém!
Licor inebriante de loucura e sofrimento
Roubado aos lábios de um brando vento!

E como o filho denunciando a casta mãe
Poemas de amor em chamas na pele fria
A pura beleza tocada, Ah! Virgem Maria!

ML

Votos de que este Natal chegue também pela mão da Virgem e que se faça de e em paz.

Litostive

22 dezembro 2005

Another 30 minutes journey...

Chegar a casa cansado do que fiz. E revitalizar ao ouvir o que gosto de ouvir. Sentir o vazio dos quartos e deixar as luzes apagadas. Retirar o fato, sinal de higiene e de boa apresentação, e tomar um duche. Vestir roupa confortável e ler um pouco, sentado no colchão estendido sobre o chão do meu quarto. As gordas da The Economist. E interessar-me por um qualquer artigo interessante.

Encostar-me às almofadas que me separam da parede terracota por detrás de mim e retirar o tabaco de enrolar. Cortar um pouco de Haxixe e queimá-lo lentamente. Inalar os odores que pairam agora no quarto. E ouvindo este som no modo repeat, enrolo um.
Acendo o fósforo e lentamente começo a destruir o que tanto prazer me deu a construir. A lâmpada fraca do meu quarto guia-me até onde quero ir. Ligo a TV num qualquer canal generalista e prossigo a minha leitura.
Amanha é dia de trabalho.
Boas noites. E Feliz Natal!
Kimera

19 dezembro 2005

Precipício

Precipício

Mesmo à beira. A um suspiro de cair. E dou um passo maior que as minhas pernas.
Um passo maior que a grandeza e um passo maior que o infinito. Se morri? Não. Nunca morri. Dizem que à terceira é de vez mas eu nem à terceira consegui.
Acho que sou imortal.

Visto um vestido bonito, enfeito o cabelo com um ganchinho e preparo-me para morrer. Sento-me no teu cadeirão. Por vezes consigo lá chegar antes de ti. E trocamos. Sentas-te tu aos meus pés e eu lá no alto observando o que me rodeia. As paredes desfeitas, os tijolos a descoberto, a tua cama de pregos, os ganchos onde penduramos os corpos em decomposição (quando estamos cansados), as cordas que pendem do tecto...
É tão linda a nossa casa.
Mas não acontece nada aqui em cima. Não chego com os pés ao chão. Balanço as pernas para a frente e para trás. Espero. Desespero. A morte não chega e eu não tenho a vida toda.
Paradoxo...
Vem sentar-te aqui no meu colo. Espera a morte comigo meu amor.
Abraças-me. Adormeces no meu peito. Sabe tão bem ter-te aqui...

...

O tempo a passar e a ela não chega...
Amor?, chamo baixinho. Ajuda-me a morrer.

"Amo-te."

Fecho os olhos.
Beijo-te.
Aperto a tua mão.

Estou preparada. Leva-me.

E nunca mais voltei.

Litostive
Frio sem vida

Sentir-me sozinho. Na rua que nunca acabou. Fechar os olhos e sentir sairem as lágrimas que julguei terem secado. Cair sem forças... de joelhos e partir os ossos fracos das minhas pernas. Perder os sentidos e desfigurar a cara ao bater no chão.

Sentir crescerem em mim ansias que me levarão para sempre. Consentir que façam de mim o que querem. Tocarem-me com os pés. Continuarem no caminho do individualismo. E eu... ali estendido... Meio morto... Meio vivo... Sem sentir mais nada senão a confusão instalada à minha volta. Sentir suavemente rasgar-se-me a pele. E crescerem em mim chagas de sangue morto.

Olho o céu e esfrego o rosto.
Cansado como nunca, enrosco-me em mim. As mãos tentam aninhar-se no meio das pernas flectidas. Tenho frio. Agora tenho muito frio. Fecho os olhos e penso em mim. Adormeço... no meio da multidão que repara em mim e por mim passa sem chorar...

Kimera

17 dezembro 2005

Liberdade de expressar
Cortaram-me tudo o que tinha a aprender sozinho. Tudo o que senti que podia ser e não fui. Impuseram regras, ideologias. Pensamentos pré-definidos.

Hoje estou confuso.
No sitio do costume. Nesta página negra e “com o layout” dificil.
Onde me posso mutilar. Cortar os pulsos e morrer. Gritar. Ouvir o som que me deixa livre e solta em mim tudo o que em mim se acomodou.

Não desisto de lutar. Lutar sempre.

Bebo mais uma cerveja. Fumo mais um charro.
E com algumas lágrimas já vertidas, ergo-me lentamente. E começo por andar. Contra as paredes desta sala semi-destruída. Corro... E já não evito as colisões sucessivas com as pedras negras de todas as pedras que sempre me cercaram.

Mas não consigo. Nunca consegui. Nenhuma se quebra...

As feridas abertas por todo o meu corpo...
Grito. Gritos de paixão. Pelo que faço. Pelo que penso. E escrevo, nas paredes deste meu quarto, todas as palavras que me sussurra a alma.

Fatigado. Visivelmente de rastos. Corto os pulsos e aguardo que alguém algum dia leia o que senti mais um dia, numa outra morte já há muito anunciada.
Kimera

16 dezembro 2005

... de ti.

... de ti.

Volto de lugar nenhum.
Encontro-te morto no chão da sala. Desta sala onde tantas vezes te encontrei perdido. A sala do cadeirão, a sala das sombras.
A sala dos laivos de luz no teu rosto putrefacto e desfeito que agora beijo sofregamente... Misturam-se as feridas da tua pele com as feridas dos meus lábios e somos um só. Mortos. Os dois. Porque para amar assim não me basta a vida...

Não estás pendurado pelas costas no gancho da parede.
Não estás dependurado pelos pés.
Não tens uma corda ao pescoço e um fio de sangue a escorrer-te pelo queixo.
Onde estás, meu amor?
Ali... Encolhido. De costas para o espaço, de frente para o vazio.
Estou aqui... Mas não me ouves.
Toco-te levemente. Frio... tão frio. Como sempre.
Gelado. Inerte. Os olhos vidrados, fixos no infinito. Duas lágrimas de cristal por entre a podridão do teu rosto.
Num segundo lembro-me de tudo. Do adeus. Do amo-te. Da menina do pranto. Do lencinho branco da despedida...
Afago-te o cabelo devagarinho. Beijo-te a testa. Beijo-te as feridas. Uma a uma. Mas os meus lábios já não são macios como outrora. Já não sabem a cereja e já não provam da doçura do vento...
Arranco-te o coração já fora do peito e tento fazê-lo bater. Só mais um pouco...
Grito. Choro.
Sorrio. Quero que seja esta a última imagem que levas contigo. A tua menina bonita com um sorriso do tamanho do mundo só para ti.
Abraço-te e deixo-me ficar ali para sempre.
Morreste, meu amor.
Morreste de sede com as minhas mãos em concha plenas de água límpida.
Morreste de cegueira escondendo o rosto da luz que do meu peito brotava.
Morreste de dor e de ódio com o meu amor espraiado sobre ti.
Morreste de vida estrangulada pela minha saudade.
Morreste... dessa doença que te consumiu.
Morreste de ti, meu amor.

Litostive

12 dezembro 2005

Suicídio

Suicídio

Olho-me ao espelho. Sorrio.
Tão linda... Tão linda que eu sou. Que eu era.
Rasgo o rosto e invento lágrimas onde não existem. Dois fios de sangue escorrendo sob os olhos.
A dor alastrando no vazio e o sorriso crescendo com ela.
Amo todos os dias.
Vivo em desespero e de desespero vivo.
Agonizo. Banho-me em lagos do meu pranto. Em lagos do teu sangue.
Bebo de ti e em ti desaguo.
Prego o coração na estaca que te arranquei do peito e danço em torno dele.
Uma alma penada. Vestida de breu e nua de branco. Vestida de vazio e nua de tudo.
Beijo os meus lábios à falta dos teus.
Sou um resto de ti que me corrói por dentro.
Tão tua... Tão tua que eu sou.

E suicido-me todos os dias... esperando que um dia seja o último.

Litostive

10 dezembro 2005

O silêncio

O silêncio que me sai do coração. Que se entranha livremente no ar que respiras. Que levas contigo para onde vais. Que levas e nunca regressa.
E ver-te ali. Triste figura de ti. Pendurada pelos pés. Cabelos encaracolados que não conseguem ocultar o rosto desfigurado da tua triste imagem.

E remexes-te. E sussuras para quem te guarda, sentado naquela cadeira.
Mas não é hoje que vais sair. Não é hoje...

Observo-te dia após dia. Sem nada fazer.
Ajuda-me ver-te sofrer assim.

Deambulo pela sala apodrecida pela humidade intensa.

Corto-me o peito. E gotas de sangue escorrem por mim. E cria-se, à frente do guarda, uma poça vermelha com origem desconhecida.

E sorrio. Por te ver assim... por me ver(es) assim.

Sorrio uma última vez. Degolo o senhor guarda.
Depressa vêm outros. Degolo os outros.
E acumulam-se os corpos e o sangue. Sento-me na cadeira... bastante confortável. Enrolo um charro. E aprecio o espectáculo mais lindo a que algum dia alguém poderá assistir.

08 dezembro 2005

Manual de Frustação

Precioso.. e bonito. O sabor a sangue que provo de todo o meu corpo. Não sou corruptivel. Sincero sempre!

Prendem-me um gancho à carne mutilada das costas. E de cada vez que tento fugir (cada mais uma vez) sinto a pressão.

Rasgo-me. Com as unhas, retiro nacos de carne do meu corpo. Até não aguentar mais as dores que se tornam insuportáveis. Mas cheguei ao ponto em que a dor não deixa sentir mais dor. E parto os dedos dos pés com os tijolos que ameaçam cair da parede desta casa que não é a minha. E grito gritos mudos. E berro bem alto as dores que imagino sentir.

Inspiro bem fundo o cheiro a queimado que vem de fora. E partem-se as correntes. E caio desamparado no chão...

... rastejo... um pouco mais...

Subo ao cadeirão. À poltrona que me deixa descansar sempre um pouco mais.

(Sala vazia. Paredes de pedra húmidas. Cadeirão ao canto. Ao lado um banco alto. Do outro lado um candeeiro alto que centra a luz na minha face...)

Desfigurado, recosto-me.
Sorrio e acendo um cigarro.
A chama ilumina a minha cara sem a face direita.

Nunca quis sair desta sala. Nunca quis fujir de nada. Fico e enfrento todas as consequências... livre.

E eles abrem a porta. Com bolas de picos. E bastões pesados.
E eles vêm-me e hesitam. Com medo, avançam.

Atingem-me a cara. Fumo um pouco mais.
Partem-me as pernas. Riu-me e penso porque tanta gente quer mal a tanta gente. Eu não tenho a outra face para dar. Mesmo se tivesse hesitava em dá-la a quem não tenho a certeza de a merecer. Comia-a e ficava comigo para sempre.

Morro.
Finalmente.

A alma liberta-se pelo meio do fumo espesso dos 3 charros semi-acesos.

Abro os olhos uma última vez.
Sai-me, sem eu poder controlar, a primeira lágrima de toda a minha... existência.

04 dezembro 2005

Até amanha...

Até amanha...

Depois de tudo o que te dei, depois de tudo o que me tiraste, depois de tudo o que de mim saiu contra minha vontade... como consegues dormir à noite?...


Olho para mim. Para dentro de mim. E vejo-te a ti. Deambulando pelos escuros caminhos de mim...
E gritas... como se me importasse. Sou frio... implacável.

Está na hora de deixar de sofrer. De ser feliz... de sorrir com o sorriso dos outros. De caminhar sem destino e sentir-me feliz com isso. Mas tu não sais daqui. Sai!! Sai!!! Sai!!!!!!!!

Talvez seja hora de morrer e deixar a ilusão tornar-se em sonho...
Talves seja hora de morrer e acordar amanha... feliz. Com os caminhos que me percorrem o corpo bem iluminados. Percorridos por quem gosta de me dizer coisas bonitas...

Até amanha então...

Até amanha...